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TBT101 - GETÚLIO ABELHA - BIZARRICE POUCA É MARMOTA!

09.02.23 - 09H21
TBT101 - GETÚLIO ABELHA - BIZARRICE POUCA É MARMOTA!

Por Johnny de Sousa

 

Há quem encontre na arte um refúgio para correr da normatividade, seja um artista ou um simples apreciador. Porém, com a pressão das redes sociais por mais engajamento e o embate direto com os algoritmos, criando normas e padrões de consumo e personalidade, fica quase impossível encontrar aquela mensagem libertadora na arte, tão necessária em tempos difíceis como os modernos. O que a gente tem que fazer é cavar um pouquinho mais, garimpar até encontrar os artistas joias da casa, que na verdade valem ouro e servem como grande exemplo para futuros criadores!

A primeira vez que vi Getúlio Abelha foi muito impactante, justamente por me deparar com uma figura anti-normativa, que fazia apenas o dele, sem se importar com os aparentes conselhos dados dentro desta indústria mais “alternativa”. Para ser diferente na música não basta ter uma característica física impactante e um hit que parece soar diferenciado, pois estes elementos vão acabar sendo vendidos como tendência. É preciso ter em mente uma visão artística de reinvenção para distribuí-la entre seus ouvintes, e assim, abalar todas as estruturas que lhes são oferecidas. Getúlio faz brega, forró, vogue e rock. Faz tudo isso; e nada disso também, aliando sua criatividade à sua personalidade divertidíssima de gente aberta, muito bem apresentada neste seu primeiro disco, o “Marmota”, de 2021.

O multi-artista cearense apareceu no BR-101.5 para conversar com Gabriele Alves sobre o então recente lançamento. Mostrando constante serenidade na voz e nos assuntos, Getúlio entregou detalhes fundamentais para o entendimento de “Marmota”, falando, inclusive, da etimologia mais sincera dessa palavra, que se encaixa perfeitamente com o conceito do álbum. 

Gabriele Alves: Eu acredito que esse disco tem a ver com essa sua vontade natural de dar o sangue pra tudo que faz. Essa mistura de elementos que tem no álbum é muito representativa: tem forró, tem pop, tem rock… Como foi que você construiu essa identidade musical que permeia o Marmota?

Getúlio Abelha: Olha, como eu construí é uma pergunta muito difícil de responder… Mas, acredito que tenha sido por uma necessidade minha de poder se abrir com minha música. O grande segredo foi eu não ter medo. Eu nunca criei algo com medo do que fossem achar do meu estilo, da minha música. Na parte técnica, por outro lado, eu sempre sou muito cauteloso. O conceito do disco é simples, eu só coloquei na minha cabeça que eu queria fazer música para extrapolar os meus limites e os das coisas que conheço. Enquanto eu criava, jamais me perguntava se o que seria lançado ia ser bem recebido, ou se tocaria nas boates, nas rádios. Não, eu nunca fui por esse caminho! Eu disse pra mim que faria as coisas do meu jeito e os consumidores que lutem! Esse pensamento me deixou totalmente livre, colocando na minha cabeça uma única regra de criação: eu sei o que eu não quero e pronto.

Não se questionar sobre a própria criação é um procedimento delicado, que requer, acima de tudo, uma necessidade imbatível de expressão. O medo, portanto, já é deixado de lado e consumido por uma urgência de querer espalhar sua mensagem. Foi nessa onda que Gabriele Alves surfou, perguntando para Getúlio sobre a importância da coragem insana dentro dos processos da arte.

Getúlio: Por que é importante não ter medo? Porque, querendo ou não, o álbum já fala muito sobre morte. Não parece, né, mas fala. Em vários momentos do disco, eu falo algo relacionado ao ato de morrer. Como por exemplo na música “Vá se Lascar”, onde eu mando um “um dia eu vou morrer”. Mas são várias as faixas que eu coloco essa pauta, sempre falando que tudo pode acabar, ou que amanhã pode ser o seu último dia. A própria música “Perigo”, que fecha o disco, é muito focada neste tema. Acho que essas mensagens acabam me dizendo que eu não tenho muito tempo a perder com medo, que ele deve vir somente pra me proteger de certas coisas e que a intuição deve vir sempre mais trabalhada. Simplesmente, não tenho medo pois não tenho tempo pra senti-lo. 

O nome desse álbum não é em vão. Marmota carrega um significado aparentemente negativo, porém, nesse disco, ele se torna uma necessidade. O que seria de Getúlio sem a sabotagem da moda, da práxis da esquisitice? A marmotagem é um protesto à chatice do cotidiano, um grito natural de um artista que vive do desafio de ser ele mesmo, num mundo à base de paletós, salto altos, cuecas e calcinhas.

Getúlio: Marmota é o “cringe” em português, não apenas o roedor. Aqui no Ceará é muito comum a gente usar essa expressão pra alguém que faz uma coisa muito doida ou diferente, ou que você não sabe explicar. Sei lá, tem alguém passando na rua, usando uma roupa muito estranha, você olha e fala “valha, que marmotagem!”. Eu adotei essa estética e a apliquei não apenas na música, mas na minha relação com o público também. Como que eu vou superar obstáculos maiores na minha vida se eu não superei coisas que nem deveriam ser um tabu? Nos meus clipes mesmo, eu sou aquilo que você tá vendo, sem medo de ser feliz. O viado que entra na feira e dança no meio de todo mundo (risos). Essa espontaneidade, que vem da marmotagem, se torna uma marca registrada minha, o que pode gerar reações diferentes em pessoas diferentes. Se alguém tem uma reação positiva me vendo na rua, gravando um clipe, ela tá me ajudando a compor o meu conceito, além de estar colaborando para a superação de diversas coisas antes consideradas tabus. Tudo isso tem muito a ver com o meu processo criativo, que está relacionado a trabalhar com tudo o que eu tenho. Vou criar um clipe do zero? Então pronto, vai, se entrega. 

Não é normal que pessoas tenham medo de sair na rua como bem entender. O direito de ir e vir se torna absoluto a partir do momento em que corpos diversos circulam no mesmo ambiente, sem ter esses grandes medos de reações agressivas. Segundo Getúlio, o mundo é chato. Os prédios têm a mesma cor, as pessoas têm as mesmas feições e ninguém parece expressar criatividade no dia-a-dia. Bom, cada artista carrega a sua luta, sendo Getúlio Abelha um pilar fundamental para que a arte bizarra não deixe de ter seu destaque. 

Ficou a fim de escutar a entrevista na íntegra? Clica aqui pra conferir. Lembrando que o #TBT101 é uma coluna em que, toda quinta-feira, vamos relembrar entrevistas massas e importantes que já rolaram na rádio pública do Recife. 

Todas as  entrevistas da Frei Caneca FM estão disponíveis na sua plataforma de streaming favorita (Spotify, Deezer, Castbox, Google Podcasts, Anchor ou Mixcloud.).


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