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#TBT101 - Papo de Artista com Odailta Alves

11.08.22 - 14H27
FOTO ALCIONE FERREIRA

Odailta Alves (Foto: Alcione Ferreira)


Por Johnny de Sousa
 

No último #TBT101, relembramos a poesia marginal recifense através da figura poderosa de Miró da Muribeca, que nos deixou recentemente, no último dia 31 de julho, mas que já faz uma falta gigantesca. Apesar disso, suas crias e pupilos se encontram tão vivos como sua arte, resistindo como pilares fundamentais da poesia urbana e, acima de tudo, na luta contra a violência e contra o racismo. Encontra-se, portanto, dentro da arte marginal, uma vontade de permanecer sóbrio e atento à luta, ainda que o sonho faça questão de correr pelo intelecto da luta.

Dentre os pupilos de Miró, se destaca a figura de Odailta Alves, poetisa, professora, atriz e sonhadora. Sendo a primeira a prestar as devidas homenagens ao mestre, no programa Relicário, Odailta teve uma outra oportunidade de propagar a poética marginal pelas ondas do rádio, em entrevista a Manoel Constantino no programa Papo de Artista.

Durante a conversa, Odailta relembra como a leitura lhe salvou de um cotidiano violento, fazendo-a refletir sobre injustiças e sobre como a luta chama aqueles que têm sede por arte. A poetisa também discorre sobre a banalização da pobreza, sobre como o sofrimento é romantizado, passível de recompensas, sendo esta realidade ainda mais dura para o povo preto e moradores de comunidades. 

Manoel: Você tem uma enorme vivência, Odailta. Nasceu na favela de Santo Amaro, centro do Recife, e desde cedo teve um processo evolutivo muito grande na arte. Dou destaque a isso porque é um processo diário, demorado, porém progressivo. Como que foi sua trajetória, vindo da favela e hoje uma grande poetisa, professora, com diversos livros publicados?

Odailta: Bem, óbvio que não foi fácil. Vim de uma situação de extrema miséria, sendo a única de nove filhos que aprendeu a ler, dentro do barraco. Não foi porque eu era “a mais inteligente da família”, entre muitas aspas, mas sim porque todos lá em casa foram excluídos do acesso à escola. Tiveram de parar e tentar ganhar algo, catando reciclagens, trabalhando pesado, desde muito cedo… Infelizmente algo que acontece com milhares de outras famílias ainda hoje, dentro de uma sociedade que exclui pessoas pobres e, ainda mais, pessoas pretas. De qualquer forma, eu consegui ter acesso à escola através do estímulo da minha avó, que foi a pessoa que me criou. Eu ia sem nenhum livro, com roupas furadas, me escondendo lá no fundo da sala para não chamar atenção. Mesmo assim, fui apoiada por professores, dando continuidade aos meus estudos até me formar, conseguindo meu primeiro trabalho como professora de reforço na comunidade. Logo mais, o Sesc seria construído e eu ia passar muito tempo na biblioteca de lá, consumindo obras fundamentais para minha carreira como escritora.

Manoel: É muito importante a leitura no nosso crescimento, não é? Eu lembro que passava horas, com meu irmão mais novo, na biblioteca, até porque meus pais sempre estimulavam nossa prática de leitura. Isso foi uma salvação, viu?

Odailta: Nossa, e como foi! Sendo a primeira pessoa a ler dentro de casa, logo pude dar início à minha escrita, começando a ganhar dinheiro escrevendo cartas para as pessoas da comunidade. Os únicos meios possíveis para a comunicação, na época, eram o orelhão da comunidade ou mensagem por carta… Como o índice de analfabetismo era enorme, além das aulas, eu resolvi dar esse suporte na comunicação. Escrevi tanta carta de amor que acabei por me inspirar (risos).

Manoel: É tão interessante esse negócio de carta, pois pra você isso foi uma prestação de serviço através da escrita! Que loucura… Isso é fantástico.

Odailta: É sim, mas ao mesmo tempo eu tomo muito cuidado ao contar essas histórias, porque a sociedade tende a romantizar muito essas realidades tão sofridas. Pode parecer inspirador, mas não é… É extremamente violento. Eu passei por violências as quais eu não desejo a ninguém, que me fazem pensar e afirmar como a superação é dolorosa. Bonito mesmo é a gente ter acesso às coisas, é não ter que sofrer pra conseguir o que queremos, sem essa história de meritocracia. Eu não tenho mais mérito que ninguém na minha comunidade. Todo mundo é potência!

Ainda dentro do Papo de Artista, Odailta comenta sobre a estruturação de preconceitos que se formaram e se fortificaram com o tempo, caindo sobre questões econômicas e, principalmente, raciais. Disserta ainda sobre como o país é fechado às pessoas periféricas, visto que os olhares desconfiados sempre se voltam para aqueles que são postos à margem por não se enquadrarem na hegemonia branca, rica, hétero e cisgênera. Odailta Alves dá uma grande aula de reforço sobre o esquema dominador e segregacionista do nosso país, explicando que viver bem não é apenas um privilégio que se ganha por sua raça ou classe, mas sim um direito fundamental que deve ser compartilhado por todo o povo brasileiro. 

Ficou a fim de escutar a entrevista na íntegra? Clica aqui pra conferir. Lembrando que o #TBT101 é uma coluna em que, toda quinta-feira, relembramos entrevistas e programas massas e importantes que já rolaram na programação da rádio pública do Recife. 

Todas as  entrevistas ficam disponíveis na sua plataforma de streaming favorita (Spotify, Deezer, Castbox, Google Podcasts, Anchor ou Mixcloud.)


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