
Trudruá Dorrico, autora indígena. (Foto: Reprodução)
Por Silvestre de Santana
Neste mês, no dia 19 de abril, celebramos o Dia dos Povos Indígenas, data que evidencia a importância de valorizar e preservar a cultura dos povos originários do Brasil, que por muito tempo tiveram seus tradições postas à margem da sociedade brasileira, como se não fizessem parte das raízes da identidade brasileira, tratados no máximo de uma maneira “exótica" pelo senso comum. É evidente que a cultura brasileira absorveu diversos aspectos das culturas indígenas em seus costumes, no entanto, há um longo caminho a ser percorrido por nossa sociedade pela conscientização de nossos indivíduos acerca do tema e sua importância.
Por isso, no #TBT101 desta semana, recordamos a edição do programa Relicário do dia 12 de agosto de 2024, comandado por Janaína Serra. O quadro Livros de Cabeceira trouxe como convidada a Doutora em Literatura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) Trudruá Dorrico, que pertence ao povo Macuxi. Ela é escritora, palestrante e pesquisadora e tem se destacado na promoção e valorização da literatura indígena contemporânea. Autora do livro Eu sou Macuxi e outras histórias, utiliza sua obra para compartilhar narrativas que refletem as vivências e a cultura de seu povo.
Na conversa, Trudruá relatou sua trajetória antes de ser escritora, seu primeiro contato com a leitura e como percebeu através dos clássicos da literatura brasileira que sua cidadania indígena havia sido quebrada pela forma como as histórias eram contadas, fazendo-a torcer pelo homem branco nas histórias.
Confira um trecho da entrevista:
Trudruá: (...) li os clássicos da literatura brasileira e acho que de alguma forma muito perversa eles me quebraram um pouco enquanto cidadã indígena eu poderia dizer, quando adulta reli O guarani, Iracema, Ubirajara e fiquei chocada como o eu adolescente me emocionava e me identificava com personagens brancos, como fiquei do lado deles, os defendia, eu torcia por meio dessas obras pela destruição dos indígenas, o que foi de alguma forma muito ruim para minha autoestima, não ter uma literatura equiparada que pudesse mostrar o contraponto do que é ser indígena. Eu costumo dizer que na formação estudantil, na formação da educação básica, é necessário que haja também essa formação étnico-racial indígena porque nesse ser brasileiro da literatura do século XIX e XX não cabe o indígena nessa representação, ou ele é morto, ou é subalternizado, é diminuído em sua dignidade, e eu sinto que esse processo de leitura e formação também fez isso comigo, lamento muito mas foi importante perceber quando adulta que não podemos continuar com esse mesmo sistema, então quando falo com professores, destaco a importância de levar literatura indígena, que foi assim que recuperei a minha autoestima na vida adulta, na verdade ainda estou recuperando, ainda estou nesse processo.
Janaína: Esse processo tem a ver também com se reconhecer como mulher indígena, Trudruá? Pois como mulher negra, sei do processo de descoberta e reconhecimento, inclusive isso me lembra a obra Meu Avô Polinário, do Daniel Munduruku, na qual ele nos conta da importância dos momentos com o avô para sua autoestima e reconhecimento de si, quero saber se com você foi algo parecido que ocorreu.
Trudruá: Sim, inclusive eu estive numa mesa com a Bianca Santana e enquanto ela relatava os processos de descobrimento de si como mulher negra, a gente trocava sobre como é similar o processo de entender as identidades negras e indígenas dentro do estado brasileiro. E como sou filha de uma mulher Makuxi, que veio da Guiana com um pai Quichua, que veio do Peru, onde eles casaram e vieram para Rondônia, cresci de certa forma longe da minha cultura, sem a minha mãe dizer que nós éramos Makuxi, porque ela própria não tinha esse entendimento da identidade coletiva, não fazia parte do movimento indígena, já tinha migrado. Mesmo ela falando a língua Makuxi, isso ficou muito adormecido nela, pois no Brasil há muita resistência em se aprender outro idioma além do português, até nas fronteiras.
E são essas fronteiras linguísticas que nos formam, é para vermos que no Brasil existe sim diversidade linguística, não somente as de tradições europeias, mas também as indígenas, e é isso que eu vou buscando no meu livro, qualquer palavra, qualquer memória que venha da nossa tradição. Então, mesmo minha mãe não falando a língua comigo, as tradições eram passadas também nas histórias que ela me contava e que só mais tarde, através do contato com outros Indígenas como o próprio Daniel Munduruku que pude entender que faziam parte da cosmologia Makuxi. (...)
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Confira essa entrevista na íntegra através do nosso canal no Youtube. Toda quinta-feira publicamos a coluna #TBT101, onde o ouvinte relembra entrevistas importantes que a 101.5 trouxe na grade de programação.
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