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#TBT101 - PACHA ANA, O AMOR EM TODAS AS ESFERAS

01.12.22 - 15H15
Capa do EP “Suor e Melanina” 

Capa do EP “Suor e Melanina” (foto de Maria Reis)

Não é preciso sentir raiva o tempo todo. Sei que os últimos anos têm sido extremamente difíceis de digerir com alguma outra emoção, mas vale lembrar que pensar no amor, às vezes, pode ser algo ainda mais curativo. Nas entranhas da militância, existe uma área reservada para a finalidade de encontrar e dar amor em meio a luta, pois sempre se soube que esse é um sentimento que provoca enormes revoluções. Como disse Chico César: o amor é um ato revolucionário.

O mais importante nesses sentimentos libertadores é o ato de saber organizá-los, seja colocando-os numa festa, numa passeata ou numa canção. Os atos de raiva e de amor são expostos no universo musical por estarem sempre em contato com as emoções humanas, além de que, tanto o ódio quanto o amor, são os dois sentimentos mais primitivos da humanidade.

Foi dessa forma que a mato-grossense Pacha Ana transcendeu os ares da militância mais combativa e resolveu guerrear falando de amor com o seu álbum “Suor e Melanina”. Em outubro de 2021, a artista, conhecida como “a braba”, veio ao BR-101.5 conversar com Gabriele Alves sobre suas pesquisas dentro do universo do amor, gerando um disco que, segundo a própria Pacha, é uma via de mão dupla, pois através dele se pode sofrer por alguém ou viver a intensidade de um romance.

Gabriele Alves: Vamos começar com essa linguagem universal, pois todo mundo fala de amor em todos os lugares! Quero que tu me conte sobre esse desafio de falar de resistência através do amor.

Pacha Ana: Então, pra mim foi um desafio grande, porque eu sou uma pessoa muito fechada. Eu sou uma pessoa bem comunicativa, mas ao mesmo tempo bem tímida, o que já é uma dualidade estranha. Pra me soltar com outras pessoas já é um processo diferente e um pouco complicado, mas tem uma hora que sempre consigo. Porém, falar de amor foi ainda mais complexo, isso porque eu sou uma pessoa muito durona, então eu achava que falar de amor ia me tornar uma pessoa muito vulnerável. Eu pensava: “Eu? Falar de amor? Eu sou Pacha Ana, pô, a braba. Eu não falo de amor!”(risos). Mas chegou uma hora em que resolvi acessar as pessoas através desse sentimento e militar através do amor, porque eu também acho que falar de amor é um ato de militância muito importante, e a gente precisa falar disso num momento repleto de discursos de ódio. Acho que se a gente protesta o tempo todo numa linguagem muito combativa, a gente acaba se cansando e se ferindo, e eu já vinha percebendo isso em mim. Foi aí que eu resolvi militar de uma forma que fosse afrontosa, porém mais saudável. Ao invés de ir direto, eu resolvi comer todo mundo pelas beiradas (risos).

Se permitir falar de amor, de certa forma, é ser forte de uma forma vulnerável, e não há nada mais significativo do que se deixar ser exposto, se mostrar mesmo, em momentos de tanta repressão. Minorias reprimidas tendem a não baixar a guarda em momentos violentos, porém quando o fazem, acabam por criar obras poderosas. Me lembro muito dos Racionais MCs, logo depois de soltarem um dos discos mais violentos e sombrios da história da MPB, o “Sobrevivendo No Inferno” de 1997. Este foi um disco crucial para o rap brasileiro, logo sucedido por uma obra ainda mais épica, bonita e feliz, além de muito mais forte e pesada: “Nada Como Um Dia Após o Outro Dia” de 2002. São esses momentos de se permitir ser levado pela felicidade, porém sem ser ingênuo, que importam.

Gabriele: Uma coisa que ficou na minha cabeça agora, enquanto você falava, foi você enquanto mulher preta se deixar levar por essa intimidade. Eu acho que isso é algo muito difícil de se fazer, pois é se permitir falar de suas cicatrizes, mostrar que “a braba”, a Pacha Ana, sente amor também!

Pacha Ana: Mas é isso mesmo! Eu comecei a adotar essa ideia de poder falar de amor e ser vulnerável, mesmo sendo algo extremamente difícil. Porém, não há nada mais fundamental do que ser vulnerável com alguém. Esse é o mantra da minha vida. É sobre escolher alguém que possa ver suas feridas, que possa estar diante de sua forma mais despida e vulnerável. É saber que em algum momento do dia, você pode, sim, tirar essa capa. O “Suor e Melanina” é sobre isso mesmo, é sobre tirar essa capa, mesmo que não seja com qualquer um. Já fiquei vulnerável diante de pessoas que me machucaram e muito, mas que só me tornaram mais forte e pronta pra criar esse disco.

O amor, como a gente sabe, é feito de fluidos, líquidos e esforço mútuo. Pacha criou um universo baseado em sangue, suor e lágrimas, remontando todo o seu trabalho vocal, físico e psicológico em nome de um disco que fala sobre idas e vindas do amor. Porém, “Suor e Melanina'' não é apenas uma representação de trabalhos difíceis, mas também do aconchego e do calor de estar corpo a corpo com alguém. 

Gabriele: E por quê esse nome, “Suor e Melanina”?

Pacha Ana: Bem, primeiro que foi um álbum que demorou pra sair. Ele tinha sido idealizado ainda em 2019 e ia ser lançado sem edital mesmo. Porém, conseguimos inscrever o projeto e aprová-lo, graças a Secretária de Cultura daqui do Mato Grosso. O negócio foi que ele passou muito mais tempo sendo idealizado, tanto que só saiu agora em 2021. Então, você vê que foi um trampo danado. Porém, Suor e Melanina remetem a outras coisas, também, que é toda essa pegada de coisa gostosa, de afeto, de tá com alguém que você gosta, ali no amorzinho, o ar-condicionado no 15º e a gente suando (risos). Então, são esses dois lados que eu tento trazer, o fato de eu ser uma mulher preta já adianta que tudo o que eu for projetar vai exigir muito trabalho e suor, enquanto, do outro lado, tem o romance, a sensualidade da melanina, um afro dengo.

A perspectiva do afro dengo é uma das mais fortes presentes nesse disco, colocando o amor como um elemento presente em todas as esferas da sociedade. A necessidade artística de disseminar a ideia do amor como uma entidade poderosa é o que o torna mais vivo, eternizado na música.

Pacha Ana: O amor não dá direito a só um recorte. Temos que falar do amor trans, homoafetivo, preto… Temos que falar dele em todas as suas totalidades e particularidades, entendendo que todo mundo é livre para amar. Não é só o que eu acho que é o amor “correto”, pelo contrário, é entender que existem múltiplas formas de amar, não convencionais ou que se amam mais de uma pessoa, não só aqueles amores eurocentristas, que nos foram ensinados à maneiras conservadoras, dentro de uma caixinha e mostrados pela televisão.

A família do comercial de margarina já se foi há muito tempo, minha gente! O amor é, de uma maneira muito bizarra, temido por ser uma forma poderosa de dominar a cabeça e o coração dos indivíduos. O ser humano tomado pelo absoluto poder e ganância jamais conhecerá o amor, apenas a escuridão originária de forças materialistas. Dada essa visão mais poética do assunto, é importante pensar como o amor, ou a falta dele, traduz as formas mais complexas das relações humanas, ainda mais as políticas. Só um indivíduo que entende a subjetividade do amor, entenderá a realidade da fome, do racismo, da misoginia e da homofobia, só assim se moverá para fazer algo para solucionar estes problemas. Muitas vezes, essa solução vem em forma de arte, com amor.

Ficou a fim de escutar a entrevista na íntegra? Clica aqui pra conferir. Lembrando que o #TBT101 é uma coluna em que, toda quinta-feira, vamos relembrar entrevistas massas e importantes que já rolaram na rádio pública do Recife. 

Todas as  entrevistas do BR-101.5 estão disponíveis na sua plataforma de streaming favorita (Spotify, Deezer, Castbox, Google Podcasts, Anchor ou Mixcloud).


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