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#TBT101 - Em seu “umbandafunk”, MC Tha bebe da ancestralidade para alçar novos voos

09.03.23 - 15H17
#TBT101 - Em seu “umbandafunk”, MC Tha bebe da ancestralidade para alçar novos voos

 

Por Luiz Rodolfo Libonati

 

Enquanto a cantora MC Tha, nascida Thais Dayane da Silva, criava seu álbum de estreia “Rito de Passá”, lançado em 2019, começou ali um processo de pesquisa de antigos trabalhos musicais que a influenciaram naturalmente desde muito antes. Iniciada musicalmente na cena do funk de São Paulo, a artista se pautou bastante nesses conhecimentos, do estudo seu e de amigos produtores musicais, para construir o seu último trabalho: o EP “Meu Santo é Forte!”, lançado no fim de junho de 2022.

No trabalho, MC Tha volta a trazer ao centro a temática umbandista e presta homenagem à cantora Alcione com versão própria de pérolas do repertório afro-religioso do ícone sambista maranhense, à medida que toma tal passo traduzindo o samba para seu modo, transformando-o a partir de traços do funk. Junto a isso, é reafirmada a vivaz fusão entre funk e umbanda, uma associação que, segundo a MC, inúmeros artistas do gênero tradicionalmente costumam recusar e que ela própria um dia já estranhou. É o apelidado “umbandafunk”.

Artista que gosta da expressividade em camadas diversas, MC Tha soltou no mundo o EP acompanhado do projeto audiovisual “Clima Quente Show”, em que, com roteiro próprio, imagina um programa de auditório e a partir dele é a apresentadora e a estrela convidada, a entrevistadora e a entrevistada. Nessa produção, também, reverenciou e releu Alcione: esta foi apresentadora de programa televisivo onde recebeu artistas convidados durante alguns anos na virada para a década de 80. Foi essa a forma que Thais Dayane da Silva, na pele da fictícia apresentadora “Daday Silva”, encontrou para potencializar sua ideia.

Com o conjunto das cinco faixas, ela deu continuidade aos ares do “Rito de Passá” ao mesmo tempo que construiu transição entre obras e apontou para possíveis caminhos a serem trilhados no segundo álbum. E foi para saber melhor desse potente momento na carreira que, em julho do ano passado, que Gabriele Alves, apresentadora  do programa BR-101.5, conversou por videochamada com MC Tha.

Confira um trecho da conversa:

Gabriele Alves: Não tem como a gente ter ouvido a faixa que a gente ouviu, que foi São Jorge, e não falar desse seu encontro com o Mahal Pita, nessa produção que vocês fazem, de recriar a faixa e dar uma transformada nela, como se você criasse realmente algo super interdependente. Como é que foi o processo de pesquisa e produção com o Mahal Pita? 

MC Tha: Nossa, eu conheci o Mahal em 2019. Ele já foi colaborador do BaianaSystem, é um artista transmídia, então ele sempre fala que tem formação em imagem e que é através da imagem que ele consegue desenvolver as outras particularidades dele, principalmente na música. E, desde quando eu conheci ele, eu já tive a ciência de que era ele a pessoa que ia fazer os meus próximos trabalhos. Desde quando eu conheci ele, convidei para produzir o meu segundo álbum, por exemplo, e acho que ele nunca entendeu direito isso, porque realmente foi bem recente. Foi um processo fácil, porque eu acho, falando por mim, que em algum ponto, quando ele fala essa questão da imagem, eu acho que a MC Tha já tem uma imagem que é muito bem definida e, aí, é só entrar no universo. Mas ele é um estudioso, então estudou muita coisa, foi atrás de discos antigos de umbanda, de estética de discos dos anos setenta sobre umbanda. Ele realmente entrou nesse universo do funk, também, e de outras músicas que têm essa semelhança com o funk. Por exemplo, a música cubana. Ele realmente conseguiu dar uma boa enriquecida em tudo o que a gente pensava sobre os desdobramentos dessa música, a partir do funk e a partir desse universo percussivo. 

Gabriele: Na hora em que você estava falando sobre esse processo que é fácil - e, de fato, Mahal é um grande estudioso, um grande produtor musical. Já produziu, como a MC Tha falou, com o BaianaSystem. Tem o projeto que ele teve com o Giovani Cidreira, que é o Mano Sereia. Muito bom, muito bom, o Mahal Pita, de fato. E aí pega nesse visual. E eu acho que você também tem uma veia gigante de produção musical, como você vem falando desde o começo do papo da gente. É ouvir algo aqui, pensar que encaixa lá na frente. E aí encontrar alguém que torne práticas e reais aquelas ideias que você tem, é realmente uma sintonia muito grande, né? 

MC Tha: Sim. E eu me considero uma artista muito intuitiva, então nem sempre, eu confesso, estou no campo dos estudos. Eu estou mais no campo das intuições. E aí eu sou do executar, e o Mahal tem essa coisa de conseguir trazer para a terra. “Tá, essa é sua ideia, é o que você intuiu, mas vamos aqui pesquisar, na terra, o que a gente pode trazer de embasamento para esse projeto”. Então eu acho que a junção dá certo por isso. Um exemplo é a música São Jorge, que, no refrão, tem um som de facão que, um dia, ele produzindo a música, tinha vindo na minha cabeça. Falei: “Nossa, eu acho que uns sons com metal iam ficar bons”, só que eu não falei, porque achei a ideia muito besta. Eu não falei e aí, mais para a frente, um dia, ele me mostrou um vídeo da dança Maculelê, em que eles dançam batendo as facas, e que isso tem muito a ver com o funk, com São Jorge, com Ogum, e eu falei: “Meu, você acredita que, um dia, veio isso na minha cabeça, só que eu fiquei encabulada de falar porque não achei que minha ideia era tão boa?”. Mas o bom é que a gente tem essa sintonia. O pensamento passa por um e vai para o outro, e aí a gente consegue pegar essas sutilezas, então é um processo que tem dado muito certo.

E aí, agora, ele também está colaborando com a MC Tha não só nesse EP, mas, por exemplo, nos shows. Está fazendo a direção musical do show, então ele deu uma boa organizada na casa, com a experiência que tem de palco, enquanto produtor, diretor de projetos, que eu confesso que não tenho. Não tenho essa formação na música, caí na música por acaso. Sei lá, agora é que estou fazendo aula de canto, depois da pandemia. Estou conseguindo estudar técnica vocal, fazendo acompanhamento com fonoaudióloga, estou realmente cuidando do meu instrumento. Mas tudo o que eu sei de música é de ouvido. Comecei com 15 anos no funk e fui descobrindo que sabia escrever, e aí comecei a escrever meus funks. Depois eu transcendi, descobri que eu conseguia escrever outros ritmos, que foi quando eu compus “A Cidade” para o Jaloo e depois “Céu Azul”. Fui entendendo, assim, que eu era uma compositora. É um processo que não foi estipulado para mim desde criança, “você vai ser artista, então comece a estudar, vá tocar um instrumento”, então eu estou aprendendo tudo agora. E eu acho que até pelo processo que a gente passa, de ter vindo de onde veio, muitas vezes é duro. A gente tem diversos talentos, mas às vezes demora para descobrir, e eu sinto que estou nesse momento, desde quando larguei meu emprego fixo para me dedicar de vez à MC Tha. Porque eu também entendi que, se não fosse naquele momento, eu ia ficar frustrada por pelo menos não ter tentado.

Eu tenho me dedicado e também me entendido enquanto artista, então tem coisa que, para mim, ainda é difícil de eu entender as importâncias. E, com esse processo junto ao Mahal, tem sido bom ter uma pessoa que consegue me enxergar de fora, me situar, me ensinar também, e botar essa ordem na casa. O show tá super bonito. Ele está dirigindo os músicos, a gente está fazendo a escolha do repertório junto, o mapa de palco a gente faz junto, o mapa de luz também. Ele está à frente, mas sempre me bota no processo, que é para eu pegar o jeito da coisa. Nunca tive um mapa de luz e agora estou conseguindo ter. Está sendo bem gratificante, principalmente depois do período pandêmico, que foi difícil para muitos artistas. Acho que estou tendo esse privilégio de conseguir reestruturar a MC Tha, e de uma forma muito profissional, (com) investimentos realmente perceptíveis. 

* * * 

Durante a entrevista, a cantora também explicou a importância da composição visual e estética para a construção transmídia de sua arte e, no audiovisual, por que optou pelo fictício programa de auditório “Clima Quente Show” em vez dos convencionais clipes individuais, entre outras decisões e trajetos criativos. 

Importante de se ressaltar e manter a reflexão sobre, a proposta da cantora em trazer a afrorreligiosidade nos trabalhos cumpre papel também sociopolítico. É em vista da recorrente intolerância e racismo religioso contra espaços e povos da umbanda e candomblé, por exemplo, assim como da exclusão midiática sofrida pelos mesmos, em contraste com a massiva representação de símbolos cristãos, que MC Tha mantém ricamente essa abordagem, seja nas letras, na instrumentalização musical ou mesmo em narrativas audiovisuais.

Ficou a fim de escutar a entrevista na íntegra? Clica aqui pra conferir. Lembrando que o #TBT101 é uma coluna em que, toda quinta-feira, vamos relembrar entrevistas massas e importantes que já rolaram na rádio pública do Recife. 

Todas as  entrevistas da Frei Caneca FM estão disponíveis na sua plataforma de streaming favorita (Spotify, Deezer, Castbox, Google Podcasts, Anchor ou Mixcloud.).


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